quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O que é que a Bahia tem?


Carmem Miranda ao cantar "O que é que a baiana tem?" e exaltar os pontos positivos, as características e as belezas do povo e do estado baiano não poderia imaginar a Bahia de hoje. Seus encantos uma vez caricaturados por ela e tantos outros artistas se perderam em meio a nossa realidade atual. Hoje, músicas como essa seriam faltas fotografias. A tarde calma em Itapuã de Vinícius de Moraes e Toquinho foi trocada por medo e violência.

Em Salvador, nesses últimos dias, a imprensa local e nacional noticiou sobre ataques a postos policiais e ônibus queimados em vários cantos da cidade. Tudo isso tem a assinatura de traficantes locais malcriados que se rebelaram com a transferência de um chefe de tráfico importante que está preso, para uma prisão federal em Minas Gerais. A prefeitura e o Governo tentaram fazer algo ao reforçar o policiamento, mas, como de costume, não deu em nada. No dia 9 ao menos mais um ônibus ficou em chamas.

Se ver essas cenas na Tv ou por fotos já é assustador, imagine a minha situação quando na quarta-feria, dia 9, à tarde, me arrumando para sair, vejo pela janela do meu quarto uma nuvem de fumaça. Eu moro no Conjunto Santa Madalena, na Vasco da Gama, e no ponto de ônibus que fica em frente a ele um coletivo foi queimado. Desci com minha mãe pata avaliar se era possível eu ir à psicóloga que fica na Av. Garibaldi. O que eu encontrei foi muita fumaça, fulhigem e a carcaça do ônibus. Muitas pessoas aglomeravam-se para ver estado do último, os bombeiros e a polícia que fecharam a via e mantinham a população longe do monte de fumaça.

Chocante, assustador, difícil de acreditar. Sim, realmente foi. Mas após o ocorrido outras coisas vieram a me chamar mais a atenção naquela fotografia incomum gravada na minha memória. Apesar dos caos muitas pessoas cercaram o lugar para acompanhar minuciosamente cada movimento dos policias, cada chama apagada pelos bombeiros, como se acompanhasse o capítulo final da novela das 8 (aquela que quase ninguém assiste toda e de fato sabe da sua história, mas que sempre pára ver o final, pois o julga mais interessante).

Via-se de tudo por lá. Idosos, crianças, adultos... Alguns tentando se apoiar em outros para ter uma melhor visão do show, outros buscando um bom ângulo para tirar uma foto ou filmar, bem como meu irmão o fez. Isso me lembrou que me esqueci de procurar saber o que ele fizera com as imagens capturadas com o celular, que hoje em dia virou tão necessário quanto a cesta básica de todo mês. Imagino, e apenas imagino, que muitos se aproveitaram da miséria alheia para ganhar “um extra” com as imagens. Certamente nossos programas jornalísticos da hora do almoço como o Na Mira e o Se Liga Bocão se aproveitaram da solidariedade dessas pessoas ao registrar tais imagens.

Mostrar vandalismo através de um ônibus em chamas deve ser um prato cheio mesmo. Mas é claro que os jornais impressos também se aproveitaram dessa interatividade com os leitores, que funcionam como fotógrafos ou jornalistas, com a única diferença de que ganham menos, não que esses profissionais ganhem muito, não é mesmo? Vi que o jornal A Tarde, inclusive, fez uma matéria com um estudante que registrou uma foto de um dos tantos atentados que houve na cidade para exaltar o ego de seu salvador.

Perto da exploração da mão de obra leitora, do gosto do povo por desastre e do interesse financeiro em cima disso, a fumaça vinda do ônibus e a bronca que a minha psicóloga certamente estaria me dando mentalmente por ter cancelado a consulta em cima da hora se tornaram questões efêmeras. E é aí que eu volto à utopia entoada e divulgada pelas canções antigas e textos já amarelados: "O que é que a Bahia tem?/Tem muito bandido, tem/Tem tiro todo dia, tem/Muito ônibus queimado, tem/Policial levando tiro, tem/Tem muito pedinte, tem/Gente oportunista, tem /E muita apelação na imprensa também/O que é que a Bahia tem?"


Bruna Correia

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